Por Newton VIEIRA*
No Natal de 1955, a canção mais tocada no Brasil era de autoria de um artista mineiro de Curvelo: Luiz Cláudio. A onomatopaica “Blim, blem, blam”, parceria dele com o maestro Nazareno de Brito, liderou as paradas de sucesso naquela época considerada áurea para o rádio. Mas quem foi Luiz Cláudio?
Luiz Cláudio de Castro (Curvelo/MG, 22/3/1935 – Guaratinguetá/SP, 28/8/2013), filho do seu José de Castro e de dona Amélia, foi grande compositor, cantor e grau-dez nas artes plásticas. Brilhou, outrossim, como pesquisador da música brasileira. Adolescente ainda, cantou pela primeira vez na Rádio Clube, em seu torrão de origem. A pedido de Juscelino Kubitschek, que ficou embevecido ao ouvi-lo na exposição agropecuária, foi convidado a cantar na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte. Daí a ser cortejado pelas emissoras do então Distrito Federal seria apenas questão de tempo. De pouquíssimo tempo.
O êxito do artista extrapolou as fronteiras do País. Contratado da Rádio Mayrink Veiga, por intermédio de Cyro Monteiro, e depois da Rádio Nacional, ele gravou, em 1966, a marcha "Sai de baixo" (Assis Valente e Álvaro Silva), o samba-canção "Joga a rede no mar" (Fernando César e Nazareno de Brito) e o beguine "Era uma vez" (José Maria de Abreu e Jair Amorim). Curiosidade: não faz muito tempo, seu samba “Deixa a nega gingar”, também registrado pelo saxofonista norte-americano Stan Getz, Flora Purim, Elizeth Cardoso e Elza Soares, ganhou remix e virou febre em pistas de dança da Europa.
Com letra de Guimarães Rosa, ele compôs a canção "O galo cantou na serra", gravada por ninguém mais, ninguém menos que Nara Leão, a Musa da Bossa Nova, no vinil “A Música Popular do Centro-Oeste / Sudeste 1” (1974) – Vários Artistas – Discos Marcus Pereira. Considero essa obra-prima eloquente declaração de amor ao povo e ao solo curvelanos, sobretudo quando afirma: “A poeira de Curvelo/ Não faz mal pra ninguém, não/ Do pulmão lá ninguém morre/ O que mata é o coração". Veio o progresso, e a poeira se dissipou na paisagem urbana. Nem por isso, os versos rosianos, de sabor popular até na negativa dupla, perdem o encanto ou a validade. Por trás de tamanha singeleza, algo de belíssimo e profundo. De mais a mais, a poeira está no destino reservado a todos os viventes. “A história humana se traça/ em duas linhas, sem dó:/ vivendo, somos fumaça;/ morrendo, seremos pó...”, acentuaria mais tarde o trovador Padre Celso de Carvalho (1913/2000). Não por acaso, esse sacerdote filósofo declarou, certa feita, ao poetamigo Elói Faria e a mim: “Se pudesse, trocaria todos os meus escritos pelos versos de ‘O galo cantou na serra’”.
Eu, todavia, entro em êxtase mesmo é quando ouço, na voz de veludo do inesquecível conterrâneo Luiz Cláudio, estas duas joias de fino lavor: “Canção do Êxodo”, de Ernest Gold, versão de Almeida Rego, e “Rancho das flores”, um passeio com o autor do “Soneto de fidelidade” pela cantata “Jesus, alegria dos homens”, de Johann Sebastian Bach. Gosto muito com Luiz Cláudio, igualmente, do fox “Não morro sem ver Paris”, de Alcyr Pires Vermelho, Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti. Esse fox, aliás, ficou a martelar minha cabeça quando dos Jogos Olímpicos.
Não tenho a pretensão de entrar em pormenores críticos sobre as criações de Luiz Cláudio ou de suas interpretações. Outros, de melhor preparo, já o fizeram. Basta lembrar Tárik de Souza, Artur da Távola, Osmar Frazão e Ricardo Cravo Albin, que disseram/dizem maravilhas a respeito dele. Carlos Drummond de Andrade assim se expressou: “Luiz Cláudio, quando compõe e quando canta, fala de temas brasileiros que comovem a todos nós. A voz dele é complemento de sua força criadora. Luiz Cláudio é todo sentimento e todo Brasil. Um Brasil que começa em Curvelo e vai acabar no coração da gente”. Vinícius de Moraes se dignou de descrevê-lo nestes termos: “Luiz Cláudio é romântico, e isso se vê de saída, tanto em sua voz como em seu desenho. Essa qualidade que se vem perdendo dá ao seu timbre uma doçura rara e ao seu canto, uma capacidade de comunicação como poucos cantores podem mostrar igual”.
Seria preciso acrescentar alguma coisa? Evidentemente que não.
Ah, sim, deixe-me voltar à vaca-fria. Em 1955, Luiz Cláudio passou a gravar pela Columbia, onde estreou cantando justamente a composição em tela, “Blim, blem, blam”, e “Sinos de Belém", esta de Evaldo Rui, em 78 rpm, nº CB-10198-B, matriz CBO-604. Isso ainda em setembro. O resultado? Aceitação enoooooorme do público! Tanto que o artista ganharia o Disco de Ouro do jornal "O Globo", na categoria "Revelação Masculina". A peça, de tão bem-sucedida, entraria no LP coletivo "Nosso Natal".
Sobre “Blim blem blam”, asseguro ser icônica pelo que tem, ao mesmo tempo, de beleza e simplicidade. Sente-se nela o espírito nostálgico do Natal caracterizado, sobretudo, pela saudade das pessoas amadas. E, no fundo, no fundo, quem não deseja que, ao repicar dos sinos, Papai Noel entre pela casa trazendo consigo os entes queridos? Natal é comunhão, é estar junto e misturado, é encontrar e reencontrar os da gente para aquele abraço apertado, sob as bênçãos do Deus-Menino. Qualquer coisa diferente disso não será Natal. Daí essa espécie de banzo que acomete o coração no período natalino.
Lê-se, no “Jean-Christophe”, romance de Romain Rolland: “A vida passa. O corpo e a alma se escoam como as ondas. Os anos se inscrevem no cerne da árvore que envelhece. O mundo inteiro das formas se gasta e se renova. Só tu não passas, ó música imortal”.
E é assim mesmo. Desse jeitinho. A música de qualidade não passa. Tal como a música de qualidade, não passam aqueles que dela cuidam com amor, com verdade, com respeito e mesmo reverência. Luiz Cláudio, portanto, jamais passará. Toda vez que um sino repicar (“blim, blem, blam”), seja em pomposa catedral, seja em humilde capela, seu nome ecoará pelos confins do Infinito...
Letra de “Blim blem blam”:
Tocam os sinos de Natal
Blim blem blam, blim, blem blem
Meu amor não vem
Vou passar o meu Natal
Blim blem blam, blim blem blem
Longe do meu bem
Nem ao menos uma carta ela escreveu
Com certeza arranjou outro e me esqueceu
Papai Noel, tenha dó
Eu estou sem ninguém
Neste mundo tão só
Sou seu filho também
Quando o sino repicar
Blim, blem blam, blim, blem blem
Você traz meu bem
*Newton Vieira é jornalista, escritor e poeta. Pesquisa a História, sobretudo a de Curvelo, há cerca de 30 anos. Tem 5 livros solos e 4 em coautoria. Seus textos estão também em mais de 200 antologias e coletâneas no Brasil e no exterior, além dos jornais e revistas. Pertence a várias instituições literoculturais no Brasil e em Portugal. Durante a Feira do Livro de Porto Alegre 2018, recebeu a Comenda Personalidade Literária Internacional. Do Vaticano recebeu a Comenda de Cavaleiro da Pontifícia Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém.
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