Em uma decisão pioneira no estado de Minas Gerais, os juízes da Turma Recursal de Curvelo, Rodrigo Martins Faria (relator), Breno Aquino Ribeiro e Manoel Jorge de Matos Júnior, adotaram a chamada "transparência algorítmica" ao informar expressamente o uso de inteligência artificial generativa (IA) na composição da verbetação e da ementa dos votos proferidos na sessão de julgamento do dia 14 de fevereiro.
A prática de transparência algorítmica visa garantir o uso ético e responsável da IA, permitindo que os usuários estejam cientes da origem dos conteúdos produzidos. Esse conceito é amplamente utilizado nos meios jurídico e acadêmico e pode ser designado por termos como "labeling" (rotulagem) ou "AI disclosure labeling" (rotulagem de divulgação de IA).
O juiz Rodrigo Martins Faria destacou que o uso da IA foi informado nos documentos para garantir total transparência. “Fizemos constar na ementa que esses elementos do acórdão foram elaborados com auxílio de inteligência artificial generativa. Sou um entusiasta dos meios informatizados e das possibilidades que eles inauguram para a execução das tarefas com mais qualidade e agilidade, o que deve ocorrer sempre sob a condução da mente humana e nas situações em que esse suporte é indicado, sem nunca abrir mão da transparência”, afirmou.
Decisão Histórica e o Caso Julgado
A decisão foi tomada durante a análise de dezenas de recursos idênticos sobre o direito dos professores do magistério público estadual ao pagamento do terço constitucional de férias sobre 60 dias anuais. O caso, originário da comarca de Pirapora, envolveu a interpretação da Lei Estadual 7.109/1977 e a aplicação do Tema 1241 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que o adicional de 1/3 incide sobre toda a remuneração relativa ao período de férias.
A Turma Recursal reformou a sentença de primeiro grau e reconheceu o direito dos professores ao pagamento do terço constitucional sobre os 60 dias anuais de férias, afastando a tese de que parte desse período deveria ser tratada como recesso escolar.
Resolução do CNJ e o Uso Responsável da IA
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova resolução estabelecendo diretrizes para o uso de IA no Poder Judiciário. Entre os principais pontos, estão:
- Capacitação obrigatória para magistrados e servidores sobre riscos, vieses algorítimos, ética e segurança da informação;
- Critérios de transparência e governança;
- Supervisão humana obrigatória;
- Proibição de ferramentas privadas para dados sigilosos;
Monitoramento contínuo das ferramentas de IA.
O juiz Rodrigo Martins Faria ressaltou que os critérios estabelecidos pela resolução foram observados na iniciativa da Turma Recursal. A IA foi utilizada como ferramenta de apoio e validada pelo magistrado, sem interferir na fundamentação ou no mérito das decisões. “Esse tipo de texto é classificado como de baixo risco, e o resultado final foi verificado por mim”, destacou.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) tem adotado o uso da IA de forma progressiva e responsável. Recentemente, foi liberado o uso da IA Gemini do Google, que atende às exigências do CNJ em termos de segurança e governança.
A Importância da Transparência e do Controle
Rodrigo Martins Faria enfatizou que a resolução do CNJ foi construída com base em estudos e na participação da comunidade jurídica, garantindo que apenas soluções seguras e auditáveis sejam utilizadas para lidar com informações sensíveis. “O registro da utilização da IA no TJMG contribui para esse controle e está em conformidade com as exigências normativas”, afirmou.
A IA utilizada para a elaboração das ementas está disponível para consulta pública e foi desenvolvida de acordo com a Recomendação 154/2024 do CNJ. A ferramenta permite que usuários habilitados anexem acórdãos ou insiram textos diretamente para gerar ementas conforme os padrões sugeridos pelo Conselho.
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