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O Caminho das Pausas


Os poetas são os que menos sabem, mas são os primeiros a saber”. Essa frase de Lacan, que li há pouco, vem confirmar a que intitula um livro que li há muito, na pequena biblioteca de uma tia: “E a Bíblia tinha razão...”.  Nesse livro Werner Keller busca analisar inúmeras informações provenientes das descobertas arqueológicas, comparando-as com as narrativas da Bíblia. A razão da Bíblia, bem como a de mitos da antiguidade e dos povos ditos primitivos, é a mesma razão intuitiva, iluminada, que faz com que os poetas sejam os primeiros a saber. Assim, os dias bíblicos da criação podem ser lidos como metáfora das eras geológicas; assim também, através do mito de Ícaro, a antiguidade clássica antecipou, simbolicamente, a possibilidade da conquista do espaço pelo Homem; da mesma forma, os índios Caiapó, no mito do Buraco do Céu, podem ter figurado a teoria dos universos paralelos. 

E assim também é que uma antítese recorrente nas narrativas do Novo Testamento antecipa o moderno conflito entre ação e descanso, entre trabalho e recreação, entre utilidade e prazer. 

Entre a afirmação capitalista de que “Tempo é dinheiro” e a ponderação da sabedoria popular de que “Mais vale um gosto que dois vinténs”, os evangelhos parecem preferir a segunda. 

Essa preferência é explicitada no juízo de valor expresso por Jesus, em sua visita às irmãs de Lázaro. Marta, atarefada e preocupada com as coisas práticas, recrimina Maria que estava sentada a conversar com o Mestre – que sai em sua defesa, dizendo: “Maria escolheu a melhor parte”.

De forma implícita, o repouso é simbolicamente valorizado em muitas passagens dos Evangelhos. Assim, ao interromper sua caminhada pela estrada de Jericó, Jesus restitui a visão aos cegos: sua parada possibilita que eles caminhem. Ao pousar numa casa em Cafarnaum, Jesus cura um paralítico: seu repouso desencadeia o movimento do outro. O descanso de Jesus na casa de Zaqueu enseja a caminhada deste em direção a uma vida nova. A parada de Jesus no túmulo de Lázaro permite que este caminhe da morte para a ressurreição. E a fixidez de Cristo na cruz é que permite aos homens se mobilizarem numa trilha de vida.

Vivendo sob o signo da ação, numa sociedade regida pelo movimento, precisamos nos deter em atenção a essa voz silenciosa que, antecipando-se aos nossos psicólogos, nos fala nas entrelinhas de um jogo de antíteses: parar é condição para caminhar, o pouso é requisito para novos voos. 


                                                        Afonso Guerra-Baião



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