Neste 24 de fevereiro, comemora-se o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, ocorrida em 1932, nos termos do Decreto Nº 21.076, baixado pelo presidente da República, Getúlio Vargas. O fato merece registro, embora nem todas as mulheres tenham tido acesso às urnas naquele primeiro momento.
Em Curvelo/MG, uma escrivã lutou bravamente pelo direito de votar. Trata-se de Perina Corsine Veado. Mas quem foi ela e como veio parar nestes sertões rosianos?
QUEM FOI E DE ONDE VEIO
Nascida em Itatiaiuçu, Itaúna (MG), em 12 de março de 1897, dona Perina Corsine Veado era filha dos professores Francisco de Paula Machado e Jesuína A. B. e Silva. Em Belo Horizonte, estudou na antiga Escola Normal Modelo. Casou-se em 26 de outubro de 1914, na Vila de São Sebastião do Gil, pertencente a Entre Rios, com o jornalista e educador Pedro ad-Víncula Veado. Morou novamente na capital mineira e depois no Rio de Janeiro, de onde veio para Curvelo em 1923, em face da transferência do marido, então funcionário do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais. Aqui se estabeleceu e deu à luz quatro filhos, irmãos do desembargador e brilhante intelectual Wilson Veado, cujo discurso de recepção a mim está entre os mais aplaudidos na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (AMULMIG). Trabalhou como escrivã juramentada no Cartório do 2º Ofício do Judicial e Notas. Dotada de bela voz de soprano, participava das serestas e se mostrava cada vez mais integrada à sociedade local. Anos mais tarde, teve de ir embora com a família, pois herdeiros já se encontravam na fase dos estudos mais avançados. Foi embora a contragosto.
A LUTA PELO VOTO
Em Curvelo, dona Perina Corsine Veado empreendeu intensa luta na defesa do voto feminino. Influenciada pelo sucesso das sufragistas americanas e inglesas, consciente da própria força e valor, enfrentou preconceitos, quebrou tabus e movimentou o fórum da comarca. Estudava os temas pertinentes, acompanhava o desenrolar dos acontecimentos no plano internacional, correspondia-se com feministas de renome. À casa dela chegavam, frequentemente, cartas de Bertha Lutz e Elvira Komel, dentre outras que lhe devotavam admiração. Conhecia em profundidade a trajetória de figuras exponenciais da causa feminista, como Mary Wollstonecraft e Mary Shelley, mãe e filha.
O aceso do conflito se deu no fim da década de 1920. A sociedade curvelana estava dividida entre os favoráveis e os contrários à inclusão das mulheres no eleitorado. Dois veículos de imprensa abrigavam os adeptos de ambas as correntes: o Jornal de Curvelo e A Voz do Povo.
Dona Perina chegou a solicitar alistamento eleitoral. Para tanto, recorreu ao juiz, doutor Paulo de Faro Fleury, estribada em precedente aberto em outra região do País. Em 4 de outubro de 1928, o magistrado exarou a sentença. No primeiro parágrafo, afirmou: “Não me convenceram os argumentos da peticionária para deferir a sua pretensão de se alistar no quadro de eleitores deste município.” Logo adiante, acrescentou, de forma irônica: “Deixo a outros a glória de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano.”
Na edição de 28 de outubro de 1928, em reportagem de capa, o Jornal de Curvelo trouxe: “(...) a solução não pode ser outra senão o reconhecimento do direito eleitoral à mulher, pois, na larga discussão travada em torno do voto feminino, verificou-se a opulência de argumentos dos que se colocaram a favor contra a fragilidade dos que pretendem negar o incontestável direito.” Em 4 de novembro do mesmo ano, em A Voz do Povo, sob o título de Perspectivas Amargas, Raimundo de Medeiros escreveu que “a incorrigível Eva” (sic) deveria permanecer inativa e submissa, obedecendo aos ditames do “legítimo detentor” (sic) do direito ao voto. Segundo o jornalista, caso conquistasse a participação no processo eleitoral, a mulher desencadearia a “falência moral da organização sociopolítica, pelas incalculáveis complicações peculiares e pelas ações dúbias e inconscientes” (sic). Quatorze dias depois, de novo em primeira página, o Jornal de Curvelo voltou ao assunto para qualificar Raimundo de Medeiros de “decrépito observador dos nossos costumes”, pois estaria a emitir “desastrada opinião” (Ano I, Nº 7, 18-11-1928).
Como se depreende dos trechos de reportagens aqui transcritos, dona Perina e suas companheiras sufragistas muito sofreram pelo ideal democrático. O trabalho delas só produziria frutos a partir de 1932. No entanto, o sofrimento valeu a pena. Pela última atualização no sítio do TSE, 32.208 curvelanas devem ir às urnas em outubro próximo. E elas constituem a maioria: são 53% das mais de 60.000 pessoas aptas a votar no Município. Oxalá se apresentem também como candidatas. A democracia ficará feliz.
*Newton Vieira é escritor, jornalista e historiador. Pertence, dentre outras,
às seguintes instituições literoculturais: Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais, Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (AMULMIG), Academia de Letras e Artes de Fortaleza (ALAF – CE), Academia de Belas-Artes de Minas Gerais e Centro de Literatura do Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana. Eleito por unanimidade, entrou recentemente para o PEN Club do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Atenção: Os comentários são de inteira responsabilidade de quem os publica e estão sujeitos a moderação caso não sejam pertinentes ao assunto, dotados de vocábulo inapropriado ou feitos por usuários anônimos. Para entrar em contato direto com a redação acesse: www.clickcurvelo.com/contato