Em parceria com o projeto Pensar Grande do Museu Vivo de História Local da Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo (MVHL - FACIC), o portal ClickCurvelo.com passa a publicar amostras do acervo da entidade. O museu tem como objetivo mostrar a história de Curvelo através de peças e documentos antigos. Você pode conhecer o projeto clicando aqui.
Neste domingo, 10 de maio, dia das mães, o Museu Vivo de História Local da Facic, relembrando Zuzu Angel, homenageia e abraça todas as mães curvelanas em sua singularidade, através do monólogo “Retalhos de Noites Tristes de Estrelas Andantes”, escrito por Mary de Fátima Alves de Oliveira, ex-aluna da Facic, já falecida. Confira:
Retalho de Noites Tristes de Estrelas Andantes
Peça de Teatro: Monólogo
Autora: Mary de Fátima Alves de Oliveira
Cenário: Um quarto, uma máquina de costura, quadro. Abre a cortina, Zuzu com álbum de fotos.
Oh pedaço de mim!
Oh metade amputada de mim,
Leva o teu olhar
Que a saudade é como um barco
Que na volta descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh pedaço de mim,
Metade arrancada de mim,
Leva o vulto teu
Que a saudade é como um parto,
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu”.
(Chico Buarque de Holanda)
Quisera eu, filho, tê-lo alinhavado às barras da minha saia.
Tê-lo feito insosso, alienado, impensante.
(Alisa carinhosa a camiseta).
Tão jovem, cheio de vida, alegria pulsante, revolucionário?!
Não sei, nunca o soube, participante sim!
Se na luta pela melhor vida gritar era a porta de saída, seu grito é o seu silêncio, seu sumiço.
Qual terá sido seu crime filho?! (Em punho)
Pensar?! (como se fizesse uma descoberta)
País antagônico. Penso. Logo, não existo mais.
Choro como a mãe de Alfeu.
A mãe do filho de Alfeu, filho abortado pelas palavras duras, pelas mãos da perda.
Quem sabe dela, a dor é menor, filho arrancado ainda no útero, sem rosto, sem nome.
(fala suave, olhar vago).
Não guarda a lembrança os primeiros passos, o primeiro balbuciar, a escola, a primeira comunhão, os amigos da
UNE.
Por onde andarão todos?
Mudaram de endereço, Moçambique, Londres, Paris talvez, quem sabe juntos reunidos todos na cidade dos Anjos.
Onde?
Para onde levaram Stuart?
Meu filho não se desespere, eu disse isto quando o arrancaram das minhas mãos, malditas estrelas.
Querem todos os sorrisos e pensamentos atados a frente de juventude democrática, conduzidos pelo IPES feito
chás marcados, carro de boi...
Comunismo não, terrorismo sim.
Estrelas mórbidas, sórdidas, mesquinhas, eles não têm mãe, não são filhos, não são pais, não são humanos (ela
grita).
Não são humanos. (levanta e caminha como sem direção)
Como puderam encher de trevas nossa pátria.
Tão mãe gentil, a confiscaram para si, para suas ideias, seu poder e glória.
Como puderam cegar e colocar cangalha em tantas mães?
Se pudessem em Deus o fariam! Mães que marcham pela família com Deus pela liberdade, liberdade?!
Onde estarão estas asas que nos livrarão de correntes tão poderosas?
Desta prisão perfeita, sem grade, sem nada, deste silêncio velado... (Olha para os lados).
Liberdade que tortura, mata e enterra raso.
Estará meu filho em cova rasa?
Deus!!
Ele era tão jovem, bonito, riso...
(grita alto, se debate como se a segurassem).
Não quero falar da minha saudade o vazio no peito, o frio, a náusea, a dor, essa dor...
Quero gritar, quero meu filho de volta, quero saber, eu quero saber... eu quero saber.
Joãos, Antônios, Pedros, Marias e Clarisses, quantos mais chamam?
Onde foram?
Cada ponto, cada paetê, cada botão pregado, não quero a glória do brilho das passeatas, o glamour dos bailes.
Cada roupa que faço tem a procura, o traço, eu quero estar nas notícias, nos jornais, a minha cara lá,
Estampada, cobrando, incomodando, perguntando, implorando,
(Começa a chorar sem forças) devolvam meu filho, meu único.
Eu o quero de volta, talvez aleijado, torturado, perturbado, mudo, quero de volta mesmo marcado, eu quero.
Qual será seu futuro?
Não consigo vislumbrar um futuro, quantos Jangos serão derrubados?
Haverá Atos Institucionais no futuro ou este país será governado por gente? Civis, talvez. E os jovens?
Nascerão já de língua cortada, serão secos, de viseiras?
E os pais?
Serão assombrados, temerosos e amarrarão seus filhos à bainha da calça.
E as noites então?
Serão elas de choro calado, de vigília ou de espera sem hora marcada?
Noites escuras de estrelas macabras, indiretas, e “a dor da gente e a dor de menino acanhado, menino bezerro pisado no curral do mundo a penar, que salta os olhos iguais ao gemido calado, a fonte do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar (Raimundo Sodré).
(Apaga a luz).
Mary de Fátima Alves de Oliveira
(Ex-aluna da FACIC, curso de Estudos Sociais, faleceu no ano de 1999).
Sobre Zuzu Angel: A estilista Zuleika Angel Jones, - Zuzu Angel -, curvelana, mãe, de Stuart Edgard Angel Jones, assassinado sob terríveis torturas na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, em 1971, no governo de Emílio Em 14 de abril de 1976 - governo Militar de Ernesto Geisel - às 3h, na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos (RJ), Zuzu morreu vítima de um acidente automobilístico. Posteriormente reconheceu-se que a estilista foi vítima de um atentado que ocasionou a sua morte.
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