Acabo de viajar pela África do século XIX, através de uma narrativa intitulada “PANDORA EN EL CONGO”. Nela, o catalão Albert Sánchez Piñol aborda o absurdo das relações entre colonizadores e colonizados, pelo viés da farsa e da fantasia. Tal absurdo faz com que o personagem-narrador comece a perder a Fé, a virtude teologal com que se justificava a invasão dos mundos novos, o roubo, o tráfico de escravos, o genocídio: a Caridade já não fazia mais nenhum sentido. Como lhe restava ainda um pouquinho de Esperança, lá pelas tantas ele passa a invocar os fantasmas, as assombrações, as quimeras que povoavam seu imaginário na infância, cuja ameaça era fichinha perto das espadas, das armas de fogo e dos grilhões dos monstros humanos: a aparição de algum espectro do além lhe devolveria a certeza de que existe outro mundo, de que a imortalidade não era uma conversa fiada, de que haveria vida após a morte.
Pois é. Fecho o volume do “PANDORA”, me alongo com toda a concentração, aspiro e expiro, lenta e profundamente, à espera das bombas que informam nosso admirável mundo novo.
Ali, o plutocrata Donald Trump se elege prometendo dar uma banana para o planeta e para o Acordo de Paris, em que os países da ONU se comprometem em reduzir a emissão dos gases causadores do efeito estufa, além de prometer guerra total ao imigrantes e dificultar o acesso de turistas aos Estados Unidos.
Lá, o exército de Israel começa a bombardear o Líbano, depois de destruir Gaza, matando milhares de civis, com a bênção dos Estados Unidos.
Aqui, a Câmara dos Deputados veta a taxação de grandes fortunas, a cobrança de imposto sobre o capital especulativo, no mesmo momento em que o Mercado chantageia o governo para que faça cortes nos gastos com saúde, educação e programas sociais. Sem falar no homem bomba às portas do Supremo, em gesto inspirado pela minuta de golpe cuja revelação agora explode junto com o terrorista tardio.
Respiração. Alongamento. Como o personagem de PANDORA, preciso soprar a brasa da Esperança, não deixar cair a peteca da Fé. Para tanto, quem sabe eu deva buscar inspiração em filmes como INVOCAÇÃO DO MAL? Talvez devesse reler Poe, Bram Stoker, Lovecraft. Ou serão os vampiros da série crepuscular de Stephenie Meyer que me trarão a consoladora promessa de um mundo assombrado por uma fantasmagoria mais light?
(Afonso Guerra-Baião)
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